Simão Froes de Lemos escreveu em 1726, na sua Notícia Histórica e Topográfica da Vila de Alcanede, que no meio da Vila

«[…]tem una ermida do Espírito Santo que mandaram fazer os oficiais da sua confraria e estando já começada a dita obra, a mandou continuar Luís Serrão o Velho, juiz da dita confraria […]».

Adianta o mesmo autor que a empreitada foi contratada por Luís Serrão a Bartolomeu Antunes, pedreiro de Alcobaça, em 1588. Luís Serrão, dito o velho, ocupava desde 1560 o cargo de Juiz Ordinário da parte de Alcanede e desempenhou o cargo de Guarda-mor da Saúde, para o qual foi eleito em 1599.

As palavras de Froes de Lemos acerca da continuação das obras por Luís Serrão em 1588, parecem indiciar que estas se terão arrastado para lá do que seria razoável. Assim sendo, a origem da Confraria do Espírito Santo e o início da construção da capela datarão de época razoavelmente anterior, provavelmente de meados do século XVI.

As Confrarias do Espírito Santo são expressão de um culto promovido pela Rainha Santa Isabel em Alenquer, de onde irradiou para todo o império português, ao qual anda associado uma certa visão messiânica da história e missão de Portugal no Mundo. Embora se mantenha vivo nos Açores, o culto popular do Espírito Santo possui menor expressão no espaço continental. Para além das festividades dos tabuleiros em Tomar, há registo do culto do Divino Espírito Santo em diversas terras da antiga Estremadura, como Óbidos, Porto de Mós, Torres Novas e Leiria, a elas se devendo, pois, associar a Vila de Alcanede.

Escreve ainda Froes de Lemos que «[…] nesta ermida está também a irmandade da Misericórdia, instituída, segundo parece por el-rei Filipe 2.º de Portugal, não podendo achar a provisão da sua instituição, nem o ano certo em que foi, mas noutra provisão passada no ano de 1604 que diz falando da dita irmandade que fora pouco antes instituída».

Em finais do século XIX, Costa Godolphim avançou a data de 24 de setembro de 1604 como a da instituição da Irmandade da Misericórdia de Alcanede, inferindo-se, à falta de outra menção, que se sustentou na obra de Froes de Lemos.

A provisão de confirmação do compromisso da Irmandade do Espírito Santo, exarada pela Chancelaria da Ordem de Avis em 14 de junho de 1601, permite balizar, de forma um pouco mais precisa, a possível data da instituição da Misericórdia.

De qualquer modo, o ato de cedência da Capela do Espírito Santo pela sua Confraria obrigava a Irmandade da Misericórdia à perpétua obrigação de festejar o Domingo do Espírito Santo, com missa cantada e sermão, como recordavam os estatutos de 1865.

O Alvará de D. Filipe II de Portugal, de 25 de Abril de 1606 veio anexar à Misericórdia de Alcanede o hospital existente na vila, até aí gerido pela Confraria do Espírito Santo, ato que viria a ser decisivo para afirmar o papel assistencial na Vila de Alcanede.

Por escritura de 29 de maio de 1718, Leonor Nogueira de Figueiredo e Valadares, instituiu uma capela de missa quotidiana na Igreja da Misericórdia, tendo para o efeito doado cinco mil cruzados à Irmandade. A memória da instituição desta capela subsiste através de uma lápide que se guardava na Sacristia, recentemente colocada na nave da Capela da Misericórdia.

Em 1786 aquela capela originou uma demanda entre a Irmandade da Misericórdia e o Padre João Alves de Basto, Prior de Alcanede, que a ela pretendia aceder na qualidade de Capelão. O diferendo foi resolvido a favor da Misericórdia que, nos termos das disposições da instituidora, podia nomear o capelão da forma que lhe parecesse mais conveniente, o que tinha feito na pessoa do Padre José de Sousa.

A análise estilística da Igreja da Misericórdia permite concluir que foi objeto de uma profunda remodelação na segunda metade do século XVIII, não subsistindo atualmente qualquer vestígio da obra concluída por Luís Serrão, o velho.

Um novo Compromisso da Irmandade foi aprovado por Carta Régia de D. Fernando II, de 9 de dezembro de 1865. Até esta data, a Irmandade regia-se pelo compromisso da sua congénere lisboeta, situação que não satisfazia as necessidades da instituição «attenta a diversidade de circunstâncias que se dão entre uma e outra».

De acordo com o Compromisso de 1865, a Irmandade não podia ter mais de noventa irmãos, «só do sexo masculino», não sendo admitidas pessoas que vivessem a mais de cinco quilómetros da Freguesia de Alcanede.

A eleição da mesa, composta pelo Provedor, Escrivão, Tesoureiro e dez Vogais, decorria no dia da Visitação. Para o efeito, a Irmandade reunia-se na Capela da Misericórdia, onde o Capelão entoava «[…] no altar da Piedade, a ladainha de Nossa Senhora, para que se digne de ilustrar o entendimento desta irmandade para que eleja pessoas de boa e sã consciência».

Era também no Domingo da Visitação que os novos irmãos compareciam na Casa do Despacho, para prestarem o juramento.

O estatuto de Irmão, cujo acesso ritualizado implicava o pagamento de uma joia de mil e duzentos reais, consistia num acervo de direitos e deveres de carácter piedoso, assistencial e de serviço à instituição.

 

De entre os seus deveres destacam-se o de assistirem, com as suas capas, às festividades da casa, procissões e enterros.

Para as cerimónias religiosas, a Igreja da Misericórdia possuía uma teia onde os irmãos tinham assento diferenciado. Esta estrutura situava-se junto ao altar de Nossa Senhora da Conceição, tendo sido desmantelada em meados do século XX.

Em caso de falecimento de irmãos, suas mulheres ou filhos, os seus corpos eram «[…] conduzidos à sepultura na tumba da casa, acompanhados pela irmandade e capelão, tendo sido previamente ministradas às famílias dos finados quatro tochas ou velas para alumiar o defunto».

 

O Compromisso de 1865 declarava expressamente que a Santa Casa da Misericórdia não possuía hospital. Por essa razão, seguia-se a prática adotada desde «tempos antigos» de prover ao tratamento dos pobres em suas casas, «prestando-lhes todos os socorros necessários, taes como remédios de botica e alimentos». A Irmandade suportava ainda os custos pelos tratamentos de doentes da freguesia no Hospital de S. José e de Rilhafoles e provia a condução para as Caldas e hospitais vizinhos de todos os doentes pobres. O transporte destes era objeto de arrematação.

Para os doentes pobres, em trânsito para as Caldas da Rainha, existia um albergue, localizado nas dependências fronteiras à habitação do Andador, que vieram a ser alienadas por volta de 1900 à família Xavier Lopes, na posse de quem se mantêm.

 

Apesar do inquérito paroquial de 1758 e o Compromisso de 1865 referirem expressamente que a Misericórdia não possuía hospital, a sua existência está documentalmente comprovada, como instituição autónoma e prévia à Misericórdia.

No início do século XVIII a Corografia Portuguesa (1712) volta a mencionar a sua existência. Conclui-se, pois que o hospital desapareceu em data que não pudemos apurar, provavelmente na primeira metade do século XVIII.

É também possível que o antigo hospital se tenha transformado no albergue, ativo ainda na segunda metade do século XIX. Nesta hipótese, há que considerar que o conceito antigo de hospital abrangia os locais onde se prestava acolhimento temporário a peregrinos, viajantes ou pessoas pobres.

A manutenção das instalações da Misericórdia, incluindo o albergue dos pobres, estava a cargo do Andador ou Contínuo. Este funcionário era alojado nas dependências da Irmandade, por baixo da sacristia e da antiga casa do despacho, local ainda habitado nos anos 60 do séc. XX pela filha do último Andador.

Através do Decreto n.º 21 585, de 4 de agosto de 1932, o Ministro do Interior aprovou o quadro de pessoal da Irmandade da Misericórdia de Alcanede e os respetivos vencimentos anuais: um Capelão – 150 escudos, um Andador – 130 escudos, um Escriturário – 100 escudos e um Recebedor de foros e juros – 30 escudos.

Após um período de letargia, a Santa Casa da Misericórdia de Alcanede foi reativada em 1997, tendo o novo compromisso sido aprovado pelo Bispo de Santarém em 26 de fevereiro desse ano, marcando assim o reinício das atividades de benemerência e apoio social para as quais está vocacionada. A Igreja e demais dependências da Misericórdia foram alvo de restauro, concluído em 2001.

 

Em 1999, a SCMA obteve o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social. Orientada para uma intervenção social mais específica junto da população idosa, criou as valências de Apoio Domiciliário e Centro de Dia, que se iniciaram em 2001.

O Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados, consistiu igualmente num esforço inicial da Instituição, permitindo a entrega de alimentos às famílias em situação comprovada de escassos recursos financeiros.

O trabalho associado aos processos de Rendimento Mínimo Garantido foi desenvolvido pela SCMA até ao final do ano de 2007, relativamente aos beneficiários residentes na freguesia de Alcanede e limítrofes.

Com a crescente procura dos serviços prestados, as instalações anexas à Igreja da Misericórdia, tornaram-se insuficientes, tendo em 2004 a SCMA, com o apoio de muitos, adquirido um edifício que recuperou e adaptou, alargando assim a sua capacidade de resposta social.

A construção do Lar de Idosos teve início em 2008 e iniciou a sua atividade dois anos mais tarde.

Orientada numa perspetiva de satisfação de qualidade de vida das pessoas que apoia, a Santa Casa da Misericórdia de Alcanede tem como impulso o trabalho desenvolvido por muitos que nos precederam e como motivação para o futuro a responsabilidade de crescer sustentadamente, em harmonia com os princípios de solidariedade e ajuda humanitária.

Fonte principal: Nova Monografia de Alcanede